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terça-feira, julho 25, 2006

Este Homem é Cidadão Romano

Este é o 5º artigo desta série. Os quatro primeiros são:



Os Direitos dos Cidadãos

Em Tarso, portanto, foi que Paulo nasceu, provavelmente na primeira década da era cristã. O privilégio de ter nascido ali e sua condição civil, porém, eram menores do que o fato de ele ter nascido cidadão romano.

O mesmo tribuno militar em Jerusalém a quem Paulo se apresentou como um judeu de Tarso, ficou surpreso, ao ser informado, mais tarde, que Paulo também era cidadão romano. “Dize-me”, ele perguntou a Paulo: “És tu [cidadão] romano?” Quando Paulo respondeu: “Sou”, o tribuno continuou: “A mim me custou grande soma de dinheiro este título de cidadão”. “Pois eu”, redargüiu Paulo, “o tenho por direito de nascimento” (At. 22.27s).

Se Paulo nasceu cidadão romano, seu pai já deve ter sido cidadão romano. A cidadania romana originalmente era restrita a nativos livres da cidade de Roma, mas, à medida que o controle romano da Itália e das terras do Mediterrâneo se ampliava, a cidadania era conferida a várias outras pessoas, de certas províncias seletas, que não eram romanos por nascimento.

Todavia, como uma família judaica de Tarso veio a adquirir esta distinção excepcional? Os membros desta família, na opinião geral, não eram judeus assimilados que se adaptavam ao estilo de vida gentio; isto se pode deduzir da afirmação de Paulo de ser “hebreu de hebreu” (Fp 3.5). Só não sabemos como ele obteve a cidadania romana. A Cilícia caiu na esfera de comando de mais de um general romano no primeiro século a.C. – Pompeu e Antonio, por exemplo – e a concessão de cidadania para pessoas aprovadas estava incluída na autoridade geral (imperium) concedida a estes generais, por lei. Podemos presumir que o pai, o avô ou até o bisavô de Paulo prestou algum serviço especial à causa romana. Foi proposto, por exemplo, que uma fábrica de tendas pode ter sido muito útil para um procônsul em guerra. Entretanto, não temos evidências concretas disto. Uma coisa, porém, é certa: entre os cidadãos e outros residentes de Tarso, os poucos cidadãos romanos, sejam gregos ou judeus de nascimento, devem ter constituído uma elite social.

Como cidadão romano, Paulo tinha três nomes: prenome (praenomen), nome de família (nomen gentile) e nome adicional (cognomen). Destes, conhecemos apenas seu cognomen, Paullus. Se soubéssemos seu nomen gentile, poderíamos ter algum indício das circunstâncias em que a família adquiriu a cidadania, já que novos cidadãos costumavam adotar o nome da família do seu patrono – mas não temos nenhuma indicação neste sentido. O cognomen Paullus pode ter sido escolhido por causa da sua assonância com seu nome judaico Saulo (Sha’ul, em hebraico), que, no Novo Testamento grego, às vezes é escrito Saoul, mas, com mais freqüência, Saulos, de modo a rimar com o grego Paulos.

As circunstâncias em que a família de Paulo adquiriu a cidadania romana são obscuras, e muitas outras questões relacionadas com ela não são menos. Em mais de uma ocasião – por exemplo, em Filipos e, alguns anos mais tarde, em Jerusalém – ele apelou aos seus direitos como cidadão romano. A primeira destas ocasiões foi quando ele protestou por ter sido sumariamente surrado com varas, pelos lictores que ajudavam os principais magistrados em Filipos (uma colônia romana), sem ter tido o julgamento adequado (At 16.37). Na segunda ele invocou seus direitos para evitar ser chicoteado (muito mais cruel do que ser surrado com varas), a que o tribuno militar já dissera que queria submetê-lo, na tentativa de descobrir por que sua presença e seus movimentos nos recintos do templo tinha provocado toda aquela agitação entre o populacho de Jerusalém. Paulo expressou seu protesto diante do Centurião encarregado dos homens que iriam chicoteá-lo; este, alarmado, correu até o tribuno militar: “Que estás para fazer?”, disse-lhe. “Este homem é cidadão romano” (At 22.26). Daí o diálogo entre o tribuno e Paulo, citado no princípio deste capítulo.

Por onde quer que fosse em todo o Império Romano, um cidadão romano podia fazer uso de todos os direitos e privilégios garantidos pela lei romana, além de ser responsável por todas as obrigações civis que a lei romana impunha. Os direitos e privilégios de um cidadão estavam redigidos em uma longa seqüência de decretos – dos quais a compilação mais recente é a Lei Juliana sobre o uso público da força (lex Iulia de ui publica) – que remonta tradicionalmente à Lei Valeriana (lex Valeria) promulgada na criação da república (509 a.C.). Estes direitos e privilégios incluíam um julgamento público justo para o cidadão acusado de algum crime, a isenção de certas formas infames de punição, e proteção contra uma execução sumária. Que não fosse cidadão romano não podia exigir legalmente nenhum destes privilégios.


Registro de Cidadãos

Se, porém, um homem apelava aos seus direitos como cidadão – se dissesse ciuis romanus sum (“sou cidadão romano”) ou seu equivalente em grego – como poderia provar sua alegação? Na falta de qualquer maneira de verificá-la no ato, deve ter sido tentador por alguém que estava contra a parede declará-lo mesmo que não fosse verdade, na esperança de escapar. Naturalmente era uma ofensa capital afirmar falsamente ser cidadão romano, mas como o oficial perante o qual a afirmação era feita poderia certificar-se se ela era verdadeira ou não?

Um novo cidadão podia ter uma cópia do seu certificado de cidadania, atestado por testemunhas; soldados auxiliares recebiam este documento, quando davam baixa, e civis podem ter tido algo parecido. Paulo, no entanto, não era um cidadão recente. Ele podia, mesmo assim, mostrar um díptico, um par de tabletes fechado, que contivesse uma cópia certificada do seu registro de nascimento. Todo filho legítimo de um cidadão romano tinha de ser registrado (ao que parece) no prazo de trinta dias depois do nascimento. Se viesse numa das províncias, seu pai, ou algum agente nomeado oficialmente, fazia uma declaração (professio) perante o governador provincial (praeses prouinciae) no escritório público de registros (tabularium publicum). Nesta sua professio o pai ou seu agente declarava que a criança era cidadã romana; a professio era anotada no registro de declarações (álbum professionum), e o pai ou agente recebia uma cópia, corretamente certificada por testemunhas. Este certificado reproduzia a professio na terceira pessoa, em ordem indireta, e continha as palavras: ciuem romanum esse professus est (“ele [pai ou agente] declarou que ela [a criança] é cidadã romana”). Pode ter sido comum que um cidadão romano que estivesse sempre em viagem levasse este certificado consigo. Neste caso, podemos imaginar Paulo apresentando-o, quando tinha de exigir seus direitos de cidadão. Contudo, será que era possível fazer rapidamente outra cópia, se a original se perdeu? Se Paulo levava a sua consigo, as chances de perdê-la eram consideráveis – por exemplo, na ocasião em que passou uma noite à deriva no mar (2 Co 11.25). Por outro lado, pode ter sido mais usual guardar estes certificados nos arquivos da família; não temos como saber. Há mais um ponto ainda a considerar: este registro de cidadão romano logo depois do nascimento parece ter sido imposto por leis bastante recentes: a lex Aelia Sentia de 4 d.C. e a lex Papia Poppaea de 9 d.C. Se Paulo nasceu um ano ou dois antes da primeira destas leis, teria sido ele registrado desta maneira? O fato de que estas perguntas podem ser feitas, mas não respondidas, mostra quão limitado é nosso conhecimento.

O momento mais importante em que Paulo invocou seus privilégios como cidadão romano aconteceu bem mais tarde, em sua carreira, quando se viu diante do procurador da Judéia para ser julgado e “apelou a César” – isto é, exigiu que seu caso fosse transferido do tribunal provincial para o supremo tribunal em Roma (At. 25.10s). Os detalhes e implicações deste apelo terão nossa atenção no momento oportuno.

No próximo artigo veremos Paulo como HEBREU DE HEBREU.

1 Comments:

Blogger Paulo Joho said...

Se imaginarmos que Paulo não tinha como provar que era cidadão romano, acredito que seria complicado sua apelação a Cesar ter respaldo. Diante do peso do seu pedido, é difícil pensar que os romanos o aceitariam sem ter uma prova que ele era cidadão romano.

3:00 AM  

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